quinta-feira, 5 de junho de 2008

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!

Manuel Bandeira

terça-feira, 15 de abril de 2008

Oito segundos

Cintilantes sutilezas dessa vida
O pôr do sol se liquefaz no horizonte...
O horizonte funde-se ao mar, não há mais fim...
São oito segundos de vida viva em mim.

Cinzas sutilezas do homem vil
Fecha-se a porta, esperada solidão...
Onde havia um sorriso não há mais...
Lágrimas correm após minutos de roupas ao chão.


Dias nascem, dias morrem sem parar...
O preto e branco da espera infinita
No alvorecer e no crepúsculo de morrer aos poucos...
Trinta e oito dias de soluço efêmeros.

Já montada, sem cor, mas reerguida
Sinto a brisa de um dia que desaba...
Saio em busca de outro vulto que me siga...
Oito meses te procuro em cada vida.


Volta foice que corta e sangra a carne fria!
Vem algoz que me legou trancafiada luz...
Leva embora o meu suspiro, o fio da vida...
Mas me inventa cicatriz, cura as feridas.

Quando o alento da tua mão tocar meu corpo
Cada estrela apagará em despedida...
Posso então despir-me desse corpo inútil...
E seguir no túnel negro da partida.

A viagem será longa e prazerosa
Um deleite que me invade e me conduz...
Porém nada no infinito traz mais gozo...
Que sentir oito segundos tua luz.

Onilma Freire

Canção da Torre Mais Alta

Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora.

Eu disse a mim: cessa,
Que eu não te veja:
Nenhuma promessa
De rara beleza.
E vá sem martírio
Ao doce exílio.

Foi tão longa a espera
Que eu não olvido.
O terror, fera,
Aos céus dedico.
E uma sede estranha
Corrói-me as entranhas.

Assim os Prados
Vastos, floridos
De mirra e nardo
Vão esquecidos
Na viagem tosca
De cem feias moscas.

Ah! A viuvagem
Sem quem as ame
Só têm a imagem
Da Notre-Dame!
Será a prece pia
À Virgem Maria?

Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora!

Arthur Rimbaud

...

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Arthur Rimbaud

Não quero outro amor

"Eu não quero outro amor; não quer a abelha
Um novo cetro se o primeiro cai;
Iramaia viúva nos desertos,
Peregrina chorando — a morte atrai.


Eu não quero outro amor; sou como o cervo
Que a raiz encontrou no jibatã;
Ali se abriga na floresta escura,
Lá viu-o a noite, e vê-lo-á a manhã.


Eu não quero outro amor; não quer a paca
Mais de um caminho, procurando o rio,
Ali a espera o caçador malvado,
Ali ferida, soluçou, caiu.


Eu não quero outro amor — sou como o índio
Que caminha buscando o Taracuá:
Afeito ao fogo da escolhida planta
Vai andando e rejeita o Biribá.


Eu não quero outro amor — não quer a planta
Outra seiva, outro sol, estranho chão:
Não cresce longe, mas definha e prende
Amando o sol que encubara o grão.


Eu não quero outro amor; sou como a seta
Que num vôo somente corta o ar;
Se perde o golpe tomba logo inerte
Entra o índio sem caça o tijupar.


Eu a vítima fui da seta ervada,
De plumas verdes, venenoso fio;
Mas não quero outro amor, ajoelho e beijo
O pó da campa que este amor abriu.


Porque eu sou como a abelha que rejeita
Um novo cetro se o primeiro cai;
Iramaia perdida nos desertos
Peregrina, chorando a morte atrai."

Castro Alves

Ceras Eternas

Ah! nunca mais conhecerá tua boca
a vergonha do beijo que espumava
concupiscência como espessa lava!
Voltam a ser duas pétalas nascentes
impregnadas de novo mel, os lábios
que sonhei inocentes.
Ah! nunca mais conhecerão teus braços
o mundo horrível que em meus dias pôs
escuro horror: o nó de um outro abraço.
Pelo sossego puro
sob a terra ficaram estendidos
já, Deus meu! Seguros.
Agora cegas, nunca mais tuas pupilas
terão um rosto impudente e rubro
de lascívia, nos seus espelhos refletidos!
Benditas ceras fortes,
ceras geladas, ceras eternais
e duras, da morte!
Bendito toque sábio
com que selaram olhos, com que amarraram braços,
com que juntaram lábios!
Benditas ceras!
já não brasa de beijos luxuriosos
que vos quebrem, desgastem ou derretam!

Gabriela Mistral

Eu não Sinto a Solidão

É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.

Gabriela Mistral